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23 de setembro de 2010

ANDORINHA – Renato Lôbo

“Andorinha voa com andorinha, maritaca voa com maritaca, urubu voa com urubu, morcego voa com morcego. Com quem você anda voando?” – perguntou o Padre Zé pras crianças, no sermão da missa das 9 de domingo. E explicou para o futuro da humanidade sentado, ali, nos grandes e enegrecidos antigos bancos da Matriz, que cada pássaro só voa com passarinho igual.
- O bando com quem você voa – arrematou Padre Zé – é formado de gente igual a você.
No fundo da igreja, uma cutucou a outra com ar de entendimento total.
- É verdade! Andorinha que voa com morcego, dorme de cabeça pra baixo! – e riram.
O político não faz idéia do quanto o povo discute o discurso dele. O locutor de rádio não tem noção de como o povo comenta o comentário dele. O padre nem de longe avalia o alcance das próprias palavras. E o palanque do padre é – de longe – o mais privilegiado e o mais perigoso de todos. Cada palavrinha vira um palavrão, digo, uma palavrona.
Depois da missa, de volta pra casa, Ordívia, irmã de Ordália e de Ordéte, não se fez de rogada nem deixou pra depois. Chamou o marido e destrinchou a relação, igual frango assado em mesa de domingo.
- Ou você trabalha ou rua!
- Mas...
- Nem uma titica de “mas”! Chega!
- Pra onde vou?
- Atrás da sua mãe. Ela é omissa, submissa e vai à missa. Estava lá e decerto ouviu o sermão de hoje.
Juntos a um bom tempo, os dois haviam botado o Ovo de Colombo do casamento: jogar fora a ansiedade de ter que dar certo. Namoraram por 12 anos, noivaram não sei quantos, e o casamento, que já durava 10, havia sido a vitória da esperança sobre a experiência. Mas, tudo tem limite. Até a esperança!
O marido vivia de heranças, rendas e bicos. Quando o pai morreu, herdou a casa e, filho único, veio também o barracão. Alugados por um bom dinheiro gasto sem cuidado. O feliz proprietário não sabia que dinheiro não agüenta desaforo: se não for respeitado, procura outro dono.
E, se isso não bastasse, acontecer dele fazer algo que prestasse da vida, ah, não acontecia, mesmo, e era o que deixava Ordívia e o resto do mundo de cabelo em pé. Pois, naquele domingo, depois da missa das 9, ela resolveu por os pingos nos is e cortar os tês. E tudo por causa de um sermão.
Ordívia percebeu com quem voava e viu mais além. Enxergou que, sobretudo, depois dos 40, a gente não mais toma qualquer cerveja, qualquer vinho, qualquer condução, qualquer companhia. Essa é a exigência da vida: tornar-se exigente, seletivo. Mas é isso, justamente, que faz da vida uma coisa muito “chic”. À medida que os anos vão se passando – eles passam! – a gente vai aprendendo que a vida é um tesouro raro e que viver pode ser bom demais.
- Nunca mais qualquer coisa! – bradou direto pra Pedra do Can-Can.
Ela já sabia que existe vida inteligente do lado de lá do alambrado. Ter descoberto, depois dos anos todos, que eles não eram pássaros iguais, que haviam insistido em voar, mas nunca atingido a mínima altura de vôo sincronizado, e que, ultimamente, sequer voavam juntos, foi libertador. A partir dali, a vida não seria nem mais fácil nem mais difícil. Seria outra, só isso. Era isso que faltava.
E tudo por causa de um sermão. Ta certo que não foi nada daquilo que padre falou. Mas o que importa? Foi o que ela entendeu. E vai dizer que não é assim que acontece a toda hora, com todo mundo? Cada um ouve, e só consegue ouvir, aquilo que, de alguma forma, já havia dito pra si mesmo.
Ordívia trocou de roupa, mudou a maquiagem, botou um chapéu colorido, aproveitou o sol de domingo e foi visitar as amigas. O mundo ainda era o mesmo. Mas ela já era outra.
A andorinha... (chispa)... voou.

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