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27 de setembro de 2010

O SEGREDO (1) – Renato Lôbo


- Isso vai ser pior do que cuspir na cara do papa!
Foi o que expressou em sua estupefação o delegado quando apresentou a prova do crime. Persignou-se aquela devota assembléia convocada para a reunião extraordinária das cinco da tarde, no saguão da delegacia.
- Isso vai se tornar um problema. Um baita problema! Virgem Santa! Um problemão! – completou, a autoridade.
Franziu, nessa hora, o cenho o também presente vigário, padre Von Seca, pela menção do santo nome da Virgem naquelas rapsódias de monta mundana. O delegado fez que não viu, coçou o queixo, esfregou o olho, fungou o nariz, mordeu o bigode: todos os cacoetes convocados numa só ocasião. De qualquer forma, não disse mais nada. Ficou só assuntando, só assuntando.
- Puxa a capivara, delegado – solicitaram.
- Impossível! Não sabemos quem foi!
- Mas então...
- Então, senhores, convém que deixemos o assunto para amanhã. Encerra-se o expediente. E é melhor pensar de cabeça fria.
Badalaram-se as seis e meia no relógio da Matriz. O expediente caminhara pro fim. Naquela hora, nada podia ficar resolvido e, realmente, nada ficou. Data vênia, no mês de junho, a noite cai depressa e à noite todos os gatos são pardos. Melhor ir pra casa, tirar o sapato e descansar.
- Agradeço vivamente a presença de todos, e dou por encerrada a parada!
E foram-se.
Em casa de cada um, houve debates controversos, esquentados, filosóficos, apocalípticos.
- O delegado fica soltando a marcha, escapando a engrenagem, jogando água fora da bacia!
E noutra casa:
- Não deveria ter deixado para amanhã, não deveria!
E noutra:
- Coisas de gente fraca!
Em casa do delegado, a Creusa, mulher dele, aficionada por cinema, quis logo saber por que não havia sido convocada para atuar naquele filme, como atriz principal, ou alguém à altura de escrever o roteiro da produção.
- Nessas coisas de por pra dentro – disse ele – melhor cautela. Cautela, canja de galinha e água benta nunca fizeram mal!
Mas a mulher do delegado queria mais era ver o circo pegando fogo. Quando preciso, até emprestava a gasolina. Gastadeira! Só vendo! Quando ele a acusava de estar gastando mais do que devia, ela respondia: “To gastando só a minha metade!”
O objeto em questão, centro de toda polêmica, criador de tanta quizila, havia permanecido trancado na delegacia, dormente ao fundo de uma maleta trancada com segredo de estado, depositada na gaveta dentro de um armário, cuja chave só o bolso do delegado conhecia.
O vigário não havia concordado em nada com o procedimento. Se bem que ele sempre quase nunca concordava. Sério, óculos de grau, fechado em copas, chegando em casa, sequer manifestou desejo de abrir a tampa do piano onde se refazia do estresse do dia. “A noite seria longa!” – pensou. E tentou dormir. Muitos tentaram naquela noite. Mas poucos alcançaram a graça!
Desses, boa parte havia se reunido na loja do Alfredinho.
- Senhores, o comércio da cidade corre sério risco, o momento é grave e requer providências – alertou, grave, o anfitrião.
- O delegado pediu cautela – lembrou, sóbrio, o Afonsinho.
- Mas nós não nos podemos dobrar a interesses mesquinhos – concluiu, sábio, o Jarbas.
Trancado a sete chaves, no interior duma maleta, num armário e numa gaveta encontrava-se o futuro ou a ruína de toda coletividade.
- E o delegado, criado fora da terra, não compreende os melindres e os meandros da pendenga – rosnou um pescoçudo rapaz dos Dias.
- Os senhores aceitam um pastel, uma coxinha...? Afinal, o que é do homem, cachorro não come! – ofereceu, filosófico e gentil, o Oscar.
Agradeceram, conjeturaram, levantaram prós e contras, e arribaram para casa, a dormir. Afinal, já era tarde.
Quem mais não dormiu naquela noite foi exatamente o delegado. Estava além do suportável a carga daquele segredo. Não podia garantir nenhuma capacidade de mantê-lo incólume, nem com a força policial do regimento à sua disposição: o cabo e o soldado. E mais! Não ter visto, não conhecer de antemão um assustador segredo que só ele guardava, era um aborrecimento. Muita gente daria a vida para estar no seu lugar.
- E se eu apenas desse uma olhada, uma olhada só, ah, não ia fazer mal – mas afastou a idéia, e foi dormir. Só que não conseguiu. Seria uma noite bem longa! Bem longa!

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