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30 de maio de 2011

SUBVERSIVA CUMPLICIDADE (3) - Renato Lobo

Como escreve Ferdinan Mount, apesar de todo esforço oficial para rebaixar a família, para reduzir o seu papel e até para eliminá-la, sempre em nome do valor maior das instituições, homens e mulheres continuaram obstinados a viverem juntos em pares. Isso deixou o poder constituído maluco. Como acrescenta Elisabeth Gilbert, homens e homens também insistem em viver juntos em pares. E mulheres e mulheres também insistem na mesma coisa. E tudo isso deixa os poderes constituídos ainda mais malucos.


Repito. Foi aí, que os poderes constituídos re-engenharizaram a tática.


Diante dos fatos, as autoridades repressoras acabaram cedendo, curvando-se ao inevitável da realidade da parceria humana. Mas não cedem sem luta, esses incômodos senhores gravemente vestidos. Há um padrão em sua desistência, constante em toda a História ocidental.


Primeiro, aos poucos, as autoridades constatam que são incapazes de impedir que as pessoas prefiram a lealdade ao parceiro à lealdade à causa, ainda que maior, mesmo que maior, e que, portanto, a parceria humana não irá desaparecer. Porém, assim que desistem de eliminar o casamento, tentam controlá-lo, criando todo tipo de limite e de lei restritiva em torno dos costumes. Nos primórdios da Idade Média, por exemplo, quando finalmente se renderam à existência do casamento, os clérigos imediatamente amontoaram sobre a instituição uma pilha gigantesca de novas e duras condições: em hipótese alguma haveria divórcio, a mesmo que ratificado pela vigência do Ordinário, o casamento teria de ser um sacramento sagrado inviolável, ninguém poderia se ajuntar fora das vistas eclesiásticas, as mulheres teriam de se curvar à lei da coverture, etc. não contente, a Igreja quase enlouqueceu e quase enlouqueceu o mundo tentando impor ao casamento o maior controle possível até o nível mais íntimo da sexualidade conjugal privada. Isso se arrastou por mais de mil anos.


Quando tudo parecia pertencer a um passado esquecido, em Florença, no século XVII, um monge (não se esqueçam, celibatário!) chamado Frei Cherubino foi encarregado da tarefa extraordinária de escrever, para homens e mulheres cristãos, um manual disciplinar que esclarecesse, de uma vez por todas, as regras sobre quais relações sexuais eram consideradas aceitáveis dentro do casamento cristão e, naturalmente, quais na eram. É hilário, trágico, se não fosse cômico. “A atividade sexual, ensinava Frei Cherubino, não deveria envolver os olhos, o nariz, as orelhas, a língua nem outras partes do corpo que não fossem de modo algum necessárias para a procriação”. Daqui pra frente continuo por mim, pra ser menos ostensivo. A esposa podia olhar as partes pudendas do marido, só se ele estivesse doente, e não porque fosse excitante, e nunca a mulher poderia ser vista nua pelo marido. Era permitido aos cristãos tomarem banho de vez em quando. Mas seria terrivelmente pecaminoso tentar cheirar bem para atrair sexualmente o cônjuge. Também nunca se deveria beijar o cônjuge usando a língua. Em lugar nenhum! O diabo sabe como agir. Ele faz homens e mulheres se tocarem e beijarem as partes honestas e as desonestas. Vou deixar o Frei terminar: “Só de pensar nisso, fico inundado de horror, medo e perplexidade...”


Foi preciso esperar mais uns 200 anos para que um pacato médico vienense demonstrasse que horror e nojo são apelidos que o desejo usa quando não pode subscrever o próprio nome.


Percebem, que no que dizia aos poderes instituídos, o mais horrível, assustador e causador de perplexidade era o fato de o leito conjugal ser absolutamente privado e, portanto, inacessível e incontrolável? Nem mesmo o monge florentino mais vigilante conseguiria impedir as investigações de duas línguas íntimas num quarto privado no meio da noite. E ninguém conseguiria controlar o que todas essas línguas diziam quando o ato de amor terminava, e talvez fosse essa a realidade mais ameaçadora de todas. Mesmo em época tão repressora, depois que as portas se fechavam e as pessoas podiam fazer suas escolhas, cada casal definia em seus próprios termos o significado de “intimidade”.


No final, os casais venceram. Vencem. Vencerão.


Mas aí vem a quarta parte. O que fazer quando a coisa não tem jeito e, mais, quando o jeito da coisa escapa pelo vão dos dedos?


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