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14 de fevereiro de 2016

Discurso feito pelo Cabo Joaquim Noronha Lopes



Discurso feito pelo Cabo Joaquim Noronha Lopes, no Fórum, na inauguração do quadro de fotografias dos Soldados Expedicionários.

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Há mais de um ano atravessamos o Atlântico, rumo ao Velho Mundo. Desde o momento emocionante de nossa partida começamos a viver uma nova vida, cheia de perigos, sobressaltos, insegurança...
            Fomos levados para o bojo de enorme navio, e nos tornamos como seres inconscientes, viajando  penosamente através da vastidão de águas traiçoeiras.
Chegamos a Itália, a Itália católica, a terra da música, terra da pintura e de todas as artes.
O que veríamos naquela terra famosa era uma grande interrogação para nós.
Foi Nápoles o porto a que atracamos e alí levamos o primeiro choque, vimos pela primeira vez o resultado da guerra, da qual íamos participar.
Barcos de cascos para cima, ou incendiados, feriam nossa vista quando olhávamos sobre as águas verdes da baia que o Vesúvio domina.
Edifícios destruídos davam à cidade um triste ar de desolação e morte.
Até ao navio vinham crianças e velhos pedir alimentos, roupas, cigarros. Tinham nas vestes e na face a marca da miséria e da fome.
Uma tristeza enorme nos dominou naquele dia, a que ponto chegava a humanidade.
Por que tantas pessoas pagam pelos erros de alguns?
Continuamos para o norte, desembarcamos perto de Pizza. Por toda parte se via o rastro que o monstro da guerra havia deixado, casas, estradas, pontes, estavam destruídas.
Os campos estavam retalhados de trincheiras, cheios de ruínas, as uvas haviam secado nas parreiras, fora impossível recolhe-las.
Belas crianças vinham ao acampamento mendigar para elas e para a família.
Vinham também mães e pais implorar alimentos para mitigar a fome der seus filhos.
E com sacrifício e gestos conseguiam nos contar fatos dramáticos da guerra.
Mortes, desaparecimentos, atrocidades nazistas, crueldades fascistas.
E a noite no silêncio das barracas  pensávamos nas desgraças irreparáveis que havíamos visto e não adivinhávamos o por quê daquilo tudo.
Qual a razão para esfacelar-se um mundo que anos e anos de civilização construíram?
E das ruínas e das misérias parecia que uma vez bradava: Razão? O que impera hoje não é a razão, é a força!
O Fascismo ditou nosso destino, sem a razão, mas com a força; o Nazismo nos dominou e somente o poderio das armas era o seu direito.
Fomos então levados para o front, nas montanhas abruptas, lamacentas e frias. Estávamos impassíveis, sem emoção afugentando os pensamentos sobre o futuro que se nos deparava sombrio, destituído de esperanças.
As colunas de carros passando pela estrada e ponte envoltas em fumaça artificial protetora, a ocupação das casas de pedra dos camponeses, dos estábulos, das foc-holes, o cuidado e o silêncio nos movimentos, fazia-nos sentir como vivendo num sonho fantástico.
Mas com as primeiras granadas, com os primeiros feridos, os primeiro mortos, pareceu-nos, então, viver num pesadelo tremendo.
As feições de todos se contraíram, algumas lágrimas correram furtivamente, diante dos lívidos primeiros mortos.
Vieram os primeiros ataques, infernos de tiros incessantes, explosões violentas, rajadas frias de metralhadoras nos morros, onde a morte adejava.
O sangue jorrou sobre a lama , vidas jovens foram ceifadas, jovens ficaram abandonados em lugares desconhecidos.
Por que permitia, ó Deus, esses crimes? Por que fomos tirados de nossas casas, nosso trabalho, para vir morrer aqui, nessa terra fria, estranha, longínqua? Para nos vingarmos, encharcamos de sangue brasileiro esse solo?
A lembrança, porém, das crianças famintas, das velhas famintas, das mães atormentadas pela miséria; a lembrança da prepotência, das crueldades nazi-facistas, deram-nos ânimo para insistir na luta por um ideal  mais belo, mais nobre que a vingança, o ideal da justiça.
Deus não estava  indiferente à nossa sorte, deu-nos forças para sobrepujarmos o poderio do inimigo.
E fomos galgando uma por uma das montanhas, atravessando os rios, descendo os vales, semeando a Liberdade.
Chegou a hora de voltarmos ao Brasil, terminada que fora nossa tarefa.
Voltamos, porém, com o coração ligeiramente endurecido, estávamos desacostumados aos afetos sinceros, às amizades desinteressadas, um pouco de ceticismo habitava em nosso espírito.
O povo de Brasópolis veio, porém, com suas demonstrações de carinho, aquecer novamente nossos corações , tirar-nos oceticismo do espírito, desanuviar-nos a mente, antes cheias de trágicas recordações.
A colocação do quadro de fotografias nesta sala, nos deixou imensamente orgulhosos. A escolha do local não poderia ser mais feliz.
Que todos aqueles que encontrarem no recinto olhem para o quadro demoradamente. Não vejam somente as faces dos  vinte e dois soldados mas foram felizes e voltaram. Olhem com os olhos da imaginação. Vejam através de nossas fotografias, centenas de faces dos nossos mortos.
Os mortos de Abetaia , de Monte Castelo, que  olhos frios voltados para o céu, foram cobertos durante meses pela neve, lá era a Terra de Ninguém.
Meus amigos, nossos amigos que tombaram, nossos amigos aleijados. Ali estão representados , a eles cabem as maiores glórias, as maiores homenagens.
E há também, senhores, dezenas de conterrâneos nossos , que embora não expedicionários, deram um ou dois anos  de sua mocidade para o Exército, no momento grave em que a integridade  nacional periclitava.
Ao olharem para este quadro lembrem-se de todos: os que trabalharam, os que sofreram, os que tombaram.
E lembrem-se, principalmente que os sacrificados clamam pela realização de seus ideais.
Honremos a memória dos que jazem na Itália, dos que jazem nas  águas do Atlântico, fazendo de nossa vida uma luta pelos ideais de liberdade, dentro da democracias e dos princípios cristãos.

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